quarta-feira, 28 de abril de 2021

Nomadland





Nomadland

Até 10 mil anos atrás, os homens eram nômades. Viviam em um determinado lugar, coletavam o que estava ao alcance e, quando esgotavam os recursos, mudavam-se. Caminhavam pelo mundo. Após algum tempo, até podiam voltar para o local inicial quando este já se tinha recuperado. Havia tempo para a natureza restabelecer-se.

Aí, veio a revolução agrícola. Os homens puderam fixar-se na terra; passaram de seres da natureza para donos dela. A partir daí, não retiravam do ambiente só o que precisavam para viver; começaram a acumular. No século XVIII, com a revolução industrial, alguns homens passaram a explorar cada vez mais o ambiente e os seres que nele vivem, inclusive outros homens.

O filme vencedor do Oscar 2021, NOMADLAND, de Chloé Zhao, mostra a vida de nômades modernos que, diferentes daqueles de mais de 10 mil anos, são os donos da natureza, mas sem a natureza. A história mostra como uma indústria na zona rural de Nevada (EUA), após um colapso econômico, deixa todos os habitantes sem terem um lugar para viver, mesmo aqueles que trabalharam a vida toda.

O filme apresenta nômades reais como Linda May, Swankie e Bob Wells. Sim, isso está acontecendo, especialmente com pessoas de mais de 60 anos que não têm a segurança de uma velhice em paz.

Há um diálogo que achei muito interessante; quando uma criança pergunta a Fern (Frances McDormand): - Você é uma sem-teto? E Fern responde: - Não, só não tenho para onde voltar.

Aliás, Fern, em português, é samambaia, planta bastante primitiva que já vivia com os outros nômades há mais de 10 mil anos atrás e que, também, é chamada de feto. São plantas muito legais, mas não produzem flores, frutos ou sementes...

Se nos EUA, um dos países mais ricos do mundo, isso acontece, imaginem no Brasil, principalmente após as reformas trabalhistas ou "destruição dos direitos dos trabalhadores".

Seremos todos nômades?

E vale lembrar que os nômades antigos podiam parar em praticamente qualquer lugar, pois o chão, assim como a natureza, era de todos e, hoje, não existe chão sem um dono.

Assucena Tupiassú

 

quarta-feira, 18 de março de 2020

Aprendendo a andar de skate em zona de guerra (se você for uma menina)




Aprendendo a andar de skate numa zona de guerra (se você for uma menina) – Learning to Skateboard in a Warzone (If You're a Girl) — dirigido por Carol Dysinger, Reino Unido, 2019.
O curta de 39 minutos, vencedor do Oscar na categoria Curta Documentário. “O filme é uma declaração de amor ao Afeganistão” segundo a diretora. Foi filmado durante um ano e segue o progresso de um grupo de meninas no projeto de inclusão e educação para meninas Skateistan, em Cabul, no Afeganistão.
É um retrato diferente das meninas que vivem no Afeganistão, que sempre são vitimizadas nos filmes, não diferente da vida real. Neste filme elas aparecem sorrindo, aprendendo, se superando, sonhando.
Como o filme é rodado ao longo de um ano, as entradas das estações são marcadas por flores, especialmente as rosas, lindas rosas. Muitíssimo bem escolhida a espécie, pois ela está inserida na história. Quando a professora fala para as alunas que cada uma delas tem que ser forte, a rosa estava lá como exemplo, que sem deixar o feminino de lado é forte, tão forte que tem acúleo (falso espinho) para se proteger, ser resistente. É isso que as meninas no Afeganistão precisam, ser como as rosas, se proteger, ter firmeza sem perder a beleza.
No filme quando as meninas são questionadas o que é ter coragem e elas respondem “é vir para escolas” “é ler um livro”. É preciso ter coragem para andar de skate, aliás um trabalho bem bacana feito pela ONG  Skateistan, organização sem fins lucrativos, que define-se, no site oficial, como a “combinação do skateboarding com uma educação criativa e assente nas artes, que dá às crianças a oportunidade de se tornarem líderes para um mundo melhor”, assim como as rosas assumem a liderança entre as floríferas.
Orlando Von Einsiedel, produtor executivo do filme o descreve como “bonito retrato de esperança, sonhos e superação de medos”.
São 39 minutos, que você pode assistir no próprio computador ou até no smartphone, nem precisa sair de casa. Um tempinho para poesia!

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

1917



1917 – Inglaterra e EUA, 2019 - Direção: Sam Mendes, com George MacKay, Dean-Charles Chapman, Mark Strong

Alguns podem estranhar estar um filme de guerra neste blog que fala de jardins e plantas no cinema, mas não se trata de um filme de guerra e sim de homens, mostrado em sequencias perfeitas, tecnicamente aclamado por qualquer cinéfilo e ele vai muito além... Em quatro momentos as plantas falam coisas belíssimas sobre o filme.
O início, um “travelling”, que na terminologia de cinema e audiovisual, é todo movimento de câmara em que esta realmente se desloca no espaço, de um lindo campo de flores “daninhas” que como bem disse Victor Hugo “não existe erva-daninha e homem mau, há sim mau cultivador”.
A beleza de tantas flores, que tem ao fundo um grupo de arvores e à frente dois soldados ingleses, Will Schofield (George Mackay) e Blake (Dean-Charles Chapman), dormindo, encostados à sombra de uma árvore, marca a abertura do filme.
Uma ordem os acorda, de que eles deveriam cruzar o território inimigo e entregar uma mensagem que poderia salvar 1.600 homens, entre eles o irmão de Blake.
A câmera segue os protagonistas e o diretor Sam Mendes mostra o humano desses soldados com atos heroicos não para ganhar medalhas e sim por dignidade. Voltando as flores, há uma cena muito bonita entre os horrores, quando eles se deparam entre as ruínas de uma casa com várias cerejeiras em flor, que Blake conhecia tão bem dos tempos de infância, uma cena perfeita que mostra o excelente trabalho de fotografia de Roger Deakins.
Segue o filme com panoramas que mostram cavalos e homens mortos, explosões, tiros, mas tudo isso fica em segundo plano, pois Mendes consegue através do altruísmo e humanidade mostrar beleza no horror.
Quando já quase desistindo de sua missão Will Schofield é acordado com pétalas de cerejeiras, o que pela crença japonesa significa sorte. É como se a beleza tivesse dado suporte para que ele aguentasse até cumprir sua missão. Um verdadeiro hanami (apreciar as flores) em um filme de guerra, não é filme de guerra!
Ao final, assim como no início, Schofield descansa encostado em uma árvore, após ter cumprido sua missão ao chegar num arvoredo, porém com um olhar diferente, um olhar questionador – Para quê essa guerra?




domingo, 3 de novembro de 2019

Maria do Caritó



Maria do Caritó – Brasil – 2019. Direção de João Paulo Jabur, com Lilia Cabral, Gustavo Vaz, Fernando Sampaio, Juliana Carneiro da Cunha, Kelzy Ecard, Fernado Neves entre outros.
Baseado no roteiro original da peça teatral homônima de Newton Moreno, também encenada por Lilia. Para o cinema Newton contou com a colaboração de José Carvalho no roteiro.
Caritó é uma pequena prateleira no alto da parede onde se coloca carretel de linha, pente, pedaço de fumo. Diz-se também da moça solteirona que foi colocada na prateleira.
O filme foi rodado em Piacatuba – MG, de onde se obtêm lindíssimas imagens, quando se mistura muitas arvores e palmeiras o verde todo se junta e quase nem conseguimos identificar quem é quem na família vegetal, mas é muito gostoso de ver. A única espécie florida que aparece é um lindo Flamboyant vermelho. A história se passa em 13 junho – dia de Santo Antônio, o casamenteiro – e nos dias seguintes, mas o Flamboyant floresce mais pro fim do ano, o que me fez perguntar quando e onde o filme foi rodado. Realmente foi filmado em outubro e novembro – fica aqui uma licença poética para o Flamboyant florescer em junho. Foi rodado em Piacatuba, pois é perto de Cataguazes onde há um polo de cinema, o que facilita muito as filmagens. Minas sempre na vanguarda né?!
As atrizes e atores estão maravilhosos, Lilia como sempre dá um show, assim como Juliana Carneiro da Cunha, Kelzy Ecard e Fernando Sampaio, que mesmo sem falar uma única palavra transmite tanta poesia, que o coração flutua.
Na história, Maria (Lilia) é considerada santa, pois é atribuído a ela alguns milagres e pelo fato de seu pai a ter prometido em casamento ao Santo Djalminha, após supostamente Maria ter quase morrido ao nascer, porém ela tem calores sob a saia e não quer se casar com santo algum, quer mesmo um amor de verdade. Anualmente faz promessas à Santo Antônio com a ajuda de Fininha (Kelzy Ecard), porém a idade está passando, ela já na menopausa passa a procurar, quase desesperadamente, alguém para casar. Após uma cartomante falar que seu amor é de fora da cidade e com a chegada de um circo ela tem certeza que o “galão” Anatoli (Gustavo Vaz) é esse amor e ela vai à luta por esse amor até descobrir algo muito melhor.
Poesia é o que não falta no filme, só que uma poesia que põe o dedo na ferida, aborda questões importantes como a falta de escrúpulos de muitos políticos, a exploração da fé, manipulação da população e submissão feminina, isso é uma característica do dramaturgo Newton Moreno, dizer coisas que doem de uma maneira suave, poética e cômica, às vezes você só se dá conta das questões abordadas depois de um tempo, tenho cá comigo que alguns até não percebem ou esquecem. No fim você sai do cinema sorrindo e com esperança.
Este é um filme que vi, gostei e recomendo muito!

quarta-feira, 10 de julho de 2019

A mula



A Mula, 2019 - EUA, direção de Clint Eastwood, com Clint Eastwood, Bradley Cooper, Laurence Fishburne, Andy Garcia entre outros.

Não é o primeiro filme que Clint Eastwood aparece cuidando de plantas ou brigando com alguém que maltrata as mudinhas.
Em A Mula, no início do filme Clinton aparece cultivando Hemerocalis, mais conhecidos como lírios (plantas com muitos híbridos), com toda pompa que os cultivadores/produtores tinham. Ganhava prêmios e reconhecimento o que era muito comum em festivais de plantas. Sua relação com os lírios era tão forte que sua família é deixada em segundo plano. Porém com a modernização, tecnologia e a venda de flores pela internet muitos perdem espaço, dinheiro e até respeito, até o Clint. Ele envelhece e se vê sem flores, família e amor próprio.
É nesse momento que recebe um convite para transportar drogas, como mula.
O dinheiro fácil, a chance de resgatar a família e o respeito dos amigos faz com que ele continue transportando, sem muita consciência ele faz como se fosse uma brincadeira o que elimina qualquer chance de desconfiança policial.
Trata-se de uma história real de Leo Sharp, que havia recebido uma série de honras por seus trabalhos como paisagista, floristas, assim como por ter lutado na Segunda Guerra Mundial. Porém sua fama mesmo veio aos 90 anos quando foi preso por portar o equivalente a três milhões de dólares em cocaína no seu carro, uma picape velha, no Michigan.
As interpretações são leves, a trilha sonora bem escolhida e a direção, como sempre muito boa.
Fato é que, ver um senhor de 88 anos interpretando e dirigindo um filme tão plenamente é de tirar o chapéu!

terça-feira, 9 de julho de 2019

Amanda





Amanda - “Amanda” França, 2018, de Mikhaël Hers, com Vincent Lacoste, Isaura Multrier, Stacy Martin.

Amanda é um dos poucos filmes franceses, parisienses, que não têm como uma das personagens principais a própria Paris. A figura da Torre Eiffel, nas filmagens, aparece em forma de brinquedo que protege o buraco onde a bola deve ser encaçapada, sem Champs Elisee, nem Notre Dame. Podemos dizer, um filme diferente, mas mantendo o modo de fazer, mostrando uma boa história filmada de modo simples.
O filme mostra pessoas dormindo na rua, massacres contra a população, discussões na rua entre culturas diferentes, os “bicos” trabalhos informais realizados por todos, especialmente os jovens. Um certo tom de desilusão, não somos mais os mesmos. Paris não é mais a mesma.

Nosso protagonista, o galã Vincent Lacoste representa David, os galãs franceses são pessoas normais, sem físicos exuberantes e rostos desenhados, gente como a gente. David é um podador de árvores que é chamado quando a Prefeitura necessita de seu trabalho. Em São Paulo ele seria chamado diariamente, em Paris, com a arborização urbana muito bem planejada, deve sobrar tempo, pois David aparece podando também cercas vivas de arbustos, bem típico de jardins franceses! E ponto positivo ao mostrar os equipamentos de proteção individual muito bem usados.
Outra cena muito bonita: no orfanato, os filhos de pessoas mortas nos ataques praticando jardinagem, sem dúvida uma atividade para amenizar a dor.
A história mostra nosso herói com 24 anos, ele não tem muitas ambições, vive de podar arvores e alugar apartamentos tipo Booking. Quando sua irmã mais velha morre em um ataque terrorista, David se vê na condição de tutor de sua sobrinha de 7 anos, Amanda. A relação dos dois é construída com muita delicadeza e aprendizado de ambos os lados. A cena final mostra otimismo, numa belíssima interpretação de Isaure Multrier, ao citar “Elvis saiu do prédio” (expressão que representa que tudo está perdido) percebe que há chances ainda, seu sorriso final mostra esperança.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Sonhos




Sonhos (Yume) Japão/EUA - 1990, com direção de Akira Kurosawa 
Uma verdadeira obra prima!
Kurosawa nos traz oito sonhos, como oito capítulos quase independentes com as mais belas fotografias e muita poesia. A linha que conduz o filme passa pela natureza e sua necessidade de cuidado e respeito, os riscos das guerras, o amor, a experiência e a simplicidade.
O filme todo é muito significativo e traz um pouco do desencanto do diretor com a humanidade. A exceção se faz no último sonho que traz a esperança através das lições de um aldeão centenário que vê o mundo de uma forma bem simples, como deve ser. É de chorar de tanta beleza.
Poderia escrever durante horas sobre esse filme, mas vou me ater a um único sonho, o Pomar de Pessegueiros, no qual está concentrada uma das mais lindas cenas que já vi em filmes. Lá um menino sai correndo atrás de algo que o leva aos pessegueiros e lá ele encontra o Imperador japonês e seus súditos, eles estão muito bravos, pois todo o pomar foi cortado e não haveria flores nem dança dos espíritos das árvores.
O menino fica muito triste ao perceber que não haverá a queda das pétalas, a dança das flores, o hanami e ele chora. A imperatriz intercede e diz que eles deveriam dançar pela última vez para o menino, afinal ele foi contra o corte das árvores. Mas o imperador se recusa dizendo que o menino só queria era comer os pêssegos, o garoto responde que não, os pêssegos podem ser comprados em qualquer supermercado, mas o hanami não. Então eles se comovem com a criança e dançam. A princípio musica tradicionalmente japonesa, depois a clássica ocidental. Tudo é lindo, a disposição em quatro patamares representando a hierarquia do império japonês, as roupas, a maquiagem, as cores. O sorriso do menino recebendo as pétalas dos pessegueiros em seu rosto é fantástico. No final aparecem novamente todas as arvores cortadas e o menino corre e encontra uma única muda brotando. É muita beleza para um filme só.

Vale muito a pena ver esse filme! Um dos melhores filmes em minha opinião.